quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Passarinho, o zelador

No meu prédio, tem um zelador que se chama Passarinho. Certamente, este não é o seu nome de batismo, mas eu só o conheço pelo apelido. E, francamente, duvido muito que o nome dele seja mais bonito e mais apropriado que o apelido. Se não me falha a intuição, Passarinho tem algum nome estrambótico, de fazer vergonha a qualquer RG. Assim sendo, deixemos as coisas como estão e não queiramos investigar o nome verdadeiro de Passarinho. Além do mais, este apelido, Passarinho, veio muito a calhar com a aparência e a personalidade de Passarinho. Ele se parece demais com um bem-te-vi.

Hoje pela manhã, o elevador de seviço parou no 14.º andar, um abaixo do meu. Quando a porta se abriu, Passarinho apareceu do lado de fora. Junto comigo, havia uma moradora, com roupa de praia, e um entregador de água mineral. Passarinho pôs os olhos sobre mim e imediatamente baixou a vista. Empregado, sabem como é, tem medo de olhar o patrão na cara. Acostumou-se ao chicote. A irmã de Passarinho sabe bem o que é isto, digo, da opressão aos pobres. No último emprego de doméstica, ela quase morre quando a filha da patroa atirou em seu rosto um vidro de perfume e depois atiçou fogo. A moça passou quase dois meses na UTI. Quase morreu. Depois, teve alta e voltou para a casa. E ficou por isso mesmo. Não houve punição, nem sequer houve denúncia. Quando houve o fato, perguntei a Passarinho se ele não ia colocar na justiça. Respondeu que não. Ia deixar para lá...

Meu Deus, quanta raiva e humilhação ficará guardada dentro do coração de um homem cuja impotência o desencoraja a buscar reparação por um dano tão violento contra a própria irmã?

Que mundo é este, meu Deus, que ainda abriga seres tão desarrazoados?...

Puxa vida, será coincidência se chamar tal profissão de zela(dor)?

Perguntei a Passarinho se não ele ia entrar no elevador. "Vou", ele respondeu, pequenino. "Então, vamos, Passarinho", eu lhe disse, querendo lhe dar um abraço. Frágil Passarinho, trabalhador, evangélico, excluído. Ainda tenso, Passarinho passou a falar sobre futebol. É que meu pai às vezes o convida para assistir aos jogos do Náutico, arquirrival do Sport, meu time. Pensei no conde de Saint Germain e nas suas palavras que eu acabara de ler, antes de sair de casa para trabalhar: o que de mais valioso podemos fazer com o poder da nossa energia é ajudar um pobre, um doente, um necessitado.

E por fim, lembrei-me de Jesus Cristo: - Mais fácil um camelo passar por o buraco de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus.