Eu ia pelo Recife Antigo, do Paço Alfândega em direção à Rua do Imperador, quando um carro cinza encostou e buzinou. De dentro dele, vi que uma mãozinha delicada acenava para mim. O vidro se abriu, e do lado de dentro, uma voz feminina me chamou, meio sem jeito; primeiramente, achei que a conhecia. Depois, percebi que nunca tinha ouvido aquela voz antes. Eu trazia na mão quatro livros grossos; todos os quatros versavam sobre Direito Tributário. Acho que a moça não percebeu isto. Meio timidamente - em parte por causa dos livros, em parte por causa dos enormes óculos escuros que a garota usava -, aproximei-me do carro cor de chumbo, que refletia os raios do sol escaldante. Eram onze horas da manhã.
A moça era bonita e muito jovem. Assim que pus o rosto bem próximo ao vidro aberto, notei sua distinta beleza, mas confirmei que não a conhecia. Mesmo assim, sorri. Diferentemente, ela sorriu de volta como quem me conhecesse; lembrou-se de mim. Chamou-me pelo nome, perguntou para onde eu ia. Respondi que estava indo para a Rua do Imperador. Ela então me ofereceu uma carona, mas eu disse que não era necessário. E naquele momento, apesar da grossa aliança de ouro que usava na mão esquerda, a bela moça abraçou o meu rosto e me deu um beijo ardente na boca. Um beijo daqueles, de quem beija loucamente, com saudade de algum passado que nunca esqueceu. Inconscientemente, retribuí; beijei, apalpei, amei. O rio Capibaribe havia penetrado em minhas veias minutos antes, enquanto eu caminhava e... Quatro livros nas mãos, quatro no coração: o rio, o amor, a moça e a poesia.
Depois, como quem procura entender qualquer coisa, perguntei de onde vinha aquilo tudo. A moça não disse nada, mas sorriu. Sorriu, travessa. Como sorriu...
Foi o momento mais erótico da minha vida.
Acho que, no fundo, no fundo, aquela adorável garota percebeu que eu trazia no peito aberto a vontade incontrolável de queimar todos os minutos da minha vida na mais violenta chama do amor.
Sim... A vida às vezes não passa de um tórrido encontro de corpos às marges do complacente rio da minha cidade.