O processo de eleição do novo papa, que terminou nessa quarta-feira, me deixou bastante tenso. Enquanto eu aguardava o início de uma audiência penal, me flagrei roendo as unhas de nervosismo, enquanto a TV mostrava a bendita fumacinha saindo pela chaminé da catedral de São Pedro.
Isso tudo foi muito estranho! Ora, eu não me considero católico, já há algum tempo, de modo que a escolha do novo papa supostamente não me tocava em nada. Mas não foi bem assim. Nesse conclave, diferentemente do anterior, eu fiquei apreensivo e ao mesmo tempo esperançoso de que a Igreja pudesse enfim "olhar para dentro de si" e eleger um papa decente para ocupar o lugar de Pedro Simão. E quando eu digo decente, refiro-me a algum cardeal que pertencesse à Teologia da Libertação ou que, ao menos, estivesse disposto a dialogar sobre as bizarrices que a Igreja tem acobertado ao longo dos séculos (pedofilia, ditaduras, etc.).
Isso tudo foi muito estranho! Ora, eu não me considero católico, já há algum tempo, de modo que a escolha do novo papa supostamente não me tocava em nada. Mas não foi bem assim. Nesse conclave, diferentemente do anterior, eu fiquei apreensivo e ao mesmo tempo esperançoso de que a Igreja pudesse enfim "olhar para dentro de si" e eleger um papa decente para ocupar o lugar de Pedro Simão. E quando eu digo decente, refiro-me a algum cardeal que pertencesse à Teologia da Libertação ou que, ao menos, estivesse disposto a dialogar sobre as bizarrices que a Igreja tem acobertado ao longo dos séculos (pedofilia, ditaduras, etc.).
Pedro Simão, o primeiro papa da Igreja Católica. |
Sinceramente, eu não esperava que a Igreja elegesse uma papa que fosse discutir os seus dogmas. Por exemplo, o fim do celibato ou o uso de preservativos, isso eu não esperava que a Igreja fosse negociar com a sociedade. Dogma é dogma, a Igreja foi fundada sobre dogmas, e faz parte dela quem quiser. Como já disse Umberto Eco, a Igreja não tem que mudar seus dogmas para agradar aos fiéis, os fiéis é que têm que se adequar aos dogmas da Igreja. Em outras palavras, os incomodados que se mudem.
A eleição do papa argentino, Jorge Mario Bergoglio, é a cara da Igreja. Em primeiro lugar, trata-se de um sujeito de idade avançada, o que garante, ao menos em tese, um papado curto. Em segundo lugar, é latino-americano, porque ou a Igreja metia um papa americano, ou fechava as portas. A pobre da América Latina, que luta em agonia para se livrar dos séculos de exploração da Europa, ainda se encontra de joelhos perante essa doença chamada catequese.
Portanto, um papa argentino, idoso, "franciscano", conservador, amigo da ditadura militar, filho de italianos e jesuíta não poderia ser escolha melhor para manter o status quo da Igreja. Pior de tudo: quando eu ouvi a nomeação dele, e que ele tinha escolhido o nome de Francisco I, fui tomado por uma onda de otimismo. Pensei que se tratasse de uma referência ao grande Francisco de Assis, o maior de todos os cristãos depois do próprio Cristo, símbolo maior de Bondade nesse planeta.
Qual o quê?! O Francisco que inspirou o novo papa não foi o de Assis, mas sim, o Xavier, fundador e pioneiro da Companhia de Jesus, responsável pela agonia dos nossos índios e braço direito da maléfica colonização ibérica na América Latina.
Francisco Xavier, fundador da Companhia de Jesus, inspirou a escolha do nome do novo papa. |
Para quem já não se lembra (os católicos, os católicos...), Francisco de Assis, já despido de suas riquezas e laborando como "pedreiro de Deus", recebeu, certa manhã, a notícia de que não poderia seguir na sua pregação. Sua igreja, a mando do bispo, foi atacada e alguns de seus seguidores foram mortos na ocasião. Na verdade, tudo não passava de uma contra-ataque da Igreja, diante do voto de pobreza de Francesco, que assombrava as famílias nobres da cidade de Assis. Imediatamente, Francisco partiu para a sede da Igreja, em Roma, a fim de ter uma audiência com o papa Inocêncio I. Diante da sua pobreza e dos trajes maltrapilhos que vestia, Francisco foi recebido com escárnio e zombaria pela corte papal e, não fosse a intervenção de um amigo influente, teria maiores dificuldades em ser recebido, mais tarde, pelo pontífice. Francisco foi então anunciado. O papa o aguardava, sentado no trono, no auge da sua pompa, coberto de joias preciosas. Diante da zombaria em torno de sua figura, Francisco ajoelhou-se e replicou aos presentes e ao próprio papa:
"Olhai os lírios nos campos. Eles nascem com espinhos, porém, nem Salomão, no esplendor de sua glória, vestiu uma roupa tão bela quanto a deles. Olhai os pássaros no céu; não semeiam nem armazenam centeio, porém, o Senhor lhes provém."
Francisco de Assis é recebido pelo papa Inocêncio I: "Olhai os pássaros nos céus..." |
Sua Santidade então compreendeu que todos ali, com exceção de Francisco, haviam esquecido a lição de Cristo e tinham caído em luxúria, vaidade e cobiça. Emocionado, Inocêncio I ajoelhou-se e, abençoando Francisco, beijou-lhes os pés sujos e chamou-o de verdadeiro cristão. E foi assim o encontro de Francisco de Assis com o papa.
No museu dos franciscanos, em São Paulo, há uma estátua em exposição, na qual Francisco, após receber as chagas do Cristo alado, encontra-se em seu colo. Francesco não era pouca coisa, pois esta estátua é a única no mundo que retrata o Cristo com asas.
Cristo desce à Terra para "entregar" as chagas a Francisco de Assis |
Se por um lado a escolha do papa argentino (filho de italianos) é um fato histórico, por outro, pode acabar sendo um meio de desestabilizar politicamente a América Latina, no momento em que a Europa está economicamente arrasada e a América começa a se libertar do seu jugo. Quanto do nosso sangue foi derramado para satisfazer aos caprichos dos antigos reis? Quanto do nosso suor foi derramado para manter a riqueza daquele continente? Quantos dos nossos índios foram escravizados para enriquecê-los? Quanto do nosso ouro financiou as guerras e as maluquices das nações europeias? Quanto da nossa felicidade foi nublada pelos bancos daquele continente?
Amigos, eu sinto que pouca coisa mudou de 1.500 para cá, e que os europeus continuam nos enxergando como índios selvagens e heréticos. E que boa parte da Igreja Católica é eminentemente europeia. Etnocentrista. Catequética.
Portanto, eu vos convoco a pensar: quem legitima a Igreja?
Por fim, vale a pena lembrar que o próprio Francisco, não o Xavier, mas o de Assis, já prestes a morrer, pediu encarecidamente aos seus seguidores que não fundassem nenhuma igreja nem nenhuma ordem após a sua morte. E que também nunca reformassem a pequena igrejinha que construíra em vida. Ora, ele bem sabia que a fundação de uma ordem seria o melhor caminho para se esquecer os seus ensinamentos. Dito e feito. Os franciscanos só sossegaram quando conseguiram sua própria Regra. Uma pena...
Desejo, do fundo do meu coração, que o nome do Francisco, escolhido pelo papa em homenagem ao jesuíta, acabe por invocar o arquétipo do outro Francisco, o grande amigo dos homens e de Deus. E que ele possa servir de instrumento de reforma para os seus líderes e de luz para os seus fiéis.
Habemus Franciscum.
Desejo, do fundo do meu coração, que o nome do Francisco, escolhido pelo papa em homenagem ao jesuíta, acabe por invocar o arquétipo do outro Francisco, o grande amigo dos homens e de Deus. E que ele possa servir de instrumento de reforma para os seus líderes e de luz para os seus fiéis.
Habemus Franciscum.