"Logo na segunda página, onde assinalava como uma vergonha a preponderância dos interesses pecuniários, o banqueiro fez uma careta. Depois, entrando no capítulo das reformas, Frédéric pedia a liberdade do comércio:
- Como?... Mas perdão!
Ele não entendeu, e continuou. Reclamava o imposto sobre rendimento, o imposto progressivo, uma federação europeia, e a instrução do povo, o maior estímulo às belas-artes.
- Se o país desse a homens como Delacroix e Victor Hugo cem mil francos de rendimentos, que mal haveria nisso?
E no fim vinham os conselhos às classes superiores:
- Não poupeis nada, ó ricos! Dai! Dai sempre!"
Este pequeno discurso, elaborado por um jovem burguês do início do século XIX, dirige-se a um nobre porém aflito banqueiro, que busca uma maneira de manter sua fortuna, em meio ao caudaloso golpe burguês que destronara o rei da França e abrira os caminhos para a implantação da República. São trechos do romance A Educação Sentimental, do célebre escritor francês, Gustave Flaubert.
Não me parece incrível que O Manifesto do Partido Comunista tenha inspirado definitivamente o referido golpe burguês. Parece-me incrível, isto sim, que muitos adoradores de Marx (muitos se encontram no poder, diga-se de passagem) ainda combatam uma ideia velha.
Ontem à noite, estive no Teatro de Santa Isabel para assistir à opera Don Giovanni, de Mozart. Certamente, quanto a isto, alguém dirá: "é uma vergonha essa ópera no Santa Isabel, pois tendo-a visto na Europa, jamais perderia meu tempo assistindo a ela em Recife". Eis o velho orgulho provinciano recifense, que atravanca o progresso da cidade como um todo. Não admira que o próprio Don Giovanni sorrisse disto.
Vivam as mulheres, viva o bom vinho, sustento e glória da humanidade! |
Quando eu era mais jovem, conectei Machado de Assis a Gustave Flaubert de maneira indissolúvel. Mais tarde, veio se juntar aos dois primeiros a figura de Stendhal. Quincas Borba e Dom Casmurro não escondem as influências sofridas pelo nosso escritor fluminense dos autores de O Vermelho e o Negro e Madame Bovary; A Educação Sentimental, por sua vez, escancara a fonte estética e o drama social que marcou profundamente a obra de Machado.
Sabemos também que o Classicismo influenciou de maneira marcante a sua obra. Em seus romances, as óperas são sempre momentos especiais, ocasiões em que seus personagens deixam transbordar as fraquezas, os preconceitos, mas também onde confessam suas aspirações cosmopolitas. Ali, também, Machado sempre evoca a evolução do nosso país, por meio da arte, que alimenta o espírito e não deve faltar na educação das pessoas.
Eu, sentado no pátio da escola, a ler Dom Casmurro, suspirava: - No dia em que tivermos óperas em Recife, aí sim, serei feliz! Eis, pois, a ópera, a alegria, e, somadas a isto, as duras críticas à exploração que uma restrita casta de cidadãos impõe a uma multidão famigerada, carente de tudo - inclusive, de arte.
Longe de querer me tornar melodramático, mas Don Giovanni também não foge à lógica da angústia burguesa: o próprio Mozart não foi massacrado pela nobreza, pela falta de dinheiro, pelos prazos, pelo medo enfim de sucumbir à miséria?
A chegada de Marlos Nobre à regência da Orquestra Sinfônica do Recife já me havia alegrado, e agora torço para que esta ópera, - espero que a primeira de muitas -, permita que nossa cidade se sutilize progressivamente. Parece que o governador está de olho nisto. Nada lhe escapa, de fato. Marlos Nobre agradeceu muitíssimo ao prefeito no último concerto. Bem, se o caminho tiver que ser este, que seja. Contudo, não estacionemos!
Quanto à obra em si, muito temos a aprender com Don Giovanni - os homens a as mulheres! Vale a pena assistir. Afinal, "a morte dos pérfidos é sempre igual à sua vida". Ou, como eu gosto de dizer: a gente só morre daquilo que viveu.
Onde: Teatro de Santa Isabel.
Quando: hoje e amanhã, às 20h; domingo, às 19h.
Quanto: R$ 40,00, estudantes, idosos e professores pagam meia-entrada.
Dica: Preferir camarote, e chegar cedo para se sentar na frente.