domingo, 29 de abril de 2012

Perguntei ao meu coração: o que devo ler agora?

E ele: outro de Paulo Coelho.

- Não era bom dar uma temperada nisso? - retruquei.

- Temperar o quê? - questionou ele, confiante. Você não acha que já leu muita coisa triste e sem sentido na sua vida?



domingo, 8 de abril de 2012

Tiros e papoulas em Boa Viagem




Eh! Acabam de matar um vivente na rua em frente. Ouvi os estalos, pensei que eram fogos, mas depois do segundo pipoco, constatei que eram tiros. Tiros, tiros em Boa Viagem. Em poucos segundos, o povo se aglomerou, a polícia chegou e não perseguiu ninguém, tampouco isolou o local do crime. Logo mais, chegará a imprensa, depois a família e amanhã, passeata na Avenida Boa Viagem. Enquanto isso, o prefeito janta, o governador beberica digestivo, a presidente articula qualquer coisa e deputados e senadores confabulam sobre as obras da Copa do Mundo.

Pensei que eram fogos, depois constatei que eram balas. Ali está o corpo, estirado, virado de banda, sem nenhuma dignidade. Chega a notícia: era um traficante, foi morto por outro, acerto de contas.

O alívio é geral: eles que se danem, eles que se matem. É menos um. No fundo, porém, foi mais um crime. Homicídio, dirão os juristas. Não importa! Importa que foi mais um crime, mais uma violência. Está lá, atirado. Se não fosse pelo sangue que escorre na rua e pela respiração ausente de suas narinas, dir-se-ia que dormia. Tomo do binóculo para ver mais de perto. Quero também fazer parte do terror que é a morte misturada à violência do assassinato. Lágrimas pulsam dentro do meu peito, mas eu as represo nas abas dos olhos. Vale lá a pena chorar por um traficante morto?

Relembro a cena: fazia meia-hora e eu contemplava a lua, que ia mais linda do que nunca. Profetizava os tempos de paz que os céus nos reservam. E, de repente, os estalos... Foi-se mais um homem. O agressor trajava camisa em tom de pastel e calças moletom. Vestiu uma mochila nas costas (seguramente os despojos do crime) e deslizou pela rua, querendo se misturar às sombras. Fugiu, ninguém o apanhou. Que carrega em seu coração? Matou como Cândido ao barão ou como Raskólnikov à velha Aliena Ivánovna? Que sentiu ao chegar a casa?

Não importa. Foi um crime. Há poucos metros da minha casa, numa rua por onde eu trafego constantemente. Gente honesta anda por ali, gente que não mata e não quer morrer. Agora eu entendo o nosso prefeito, quando alugou carros blindados para ele e para o vice-prefeito. A cidade está muito perigosa. Entendo também o ex-governador quando abriu uma empresa de segurança privada. E entendo o ex-prefeito, quando mandou seus filhos para morarem na Europa.

Eu, se pudesse, teria feito todas essas coisas também: compraria um carro blindado para o meu pai, mandaria minhas irmãs para a Europa e abriria um empresa de segurança privada para o povo contratar. Eh! os políticos não são tão bobos quanto a gente pensa...

Dirão: o homem é produto do meio. Mas eu digo, depois do meu mestre: o meio é produto do homem. E essa inversão de paradigma, tão óbvia a princípio, encerra em seu seio uma concepção filosófica que deseja modificar o mundo radicalmente; aliás, modificar, não, criar outro inteiramente novo.

Ao povo, ficará a versão que melhor aprouver a quem manda na cidade. Os abutres já estão ali, no local de cena. Vestem coletes marrons e anotam depoimentos em pequenos cadernos. Há câmeras de TV e máquinas fotográficas. Veem-se os flashes. Ouvem-se sirenes. Chegam os peritos. Quem comprará o caixão? Cemitério, escolheram? O redator do jornal se ouriça: - pessoal, temos que mudar a capa do jornal de amanhã, ele diz. E apaga-se a cena.

Foi mais um crime. Amanhã eles contarão na televisão. Até quando, pergunta meu coração. Eh! Artur. Está chegando a hora. É preciso ter fé. É preciso continuar lutando pelo mundo melhor. Vá dormir. Melhor o que faz. Dormindo, esquece um pouquinho. Vou mandar aquele colibri que tanto o alegra quando sonha. Verá que grande pílula contra o medo!

É preciso ter fé. Os assassinatos vão terminar. Imagine a cidade coberta de flores, de papoulas vermelhas, idênticas à da tua infância, meu filho. E luta, na física e na metafísica. Mas, agora, dorme e descansa, que eu vou recolher mais esta alma que deixou o teu mundo.


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Tua amiga feminina

Se acaso tu és homem, e gostarias de saber se uma mulher é tua amiga, eis aqui um pequeno e infalível dicionário desta estranha amizade:

1. Se ela já chorou no teu ombro uma vez e estava bêbada, ela não é necessariamente tua amiga, pois as mulheres possuem um interruptor de lágrimas que sempre é ativado pela bebida em demasia. Principalmente se for vodca.

2. Se ela já chorou no teu ombro uma vez, e não estava bêbada, ou ela estava muito carente ou você simplesmente estava passando na hora. Era o que tinha para hoje, mais ou menos como uma cadeira numa agência bancária: senta-se na primeira que lhe der na telha.

3. Se ela escolheu você para chorar no ombro, uma amizade pode estar nascendo. Ou um romance. Depende.

4. Se ela já chorou no teu ombro mais de duas vezes, nem adiante tentar esconder, porque todo o mundo já sabe que vocês ou estão tendo alguma coisa ou já tiveram. Uma mulher nunca chora duas vezes no ombro do mesmo homem, a não ser que já tenha trocado ao menos uns beijinhos com ele (sim, mesmo que nas duas vezes ela estivesse bêbada).

5. Mas se o choro chegou na calada da noite, quando o mar soprava absoluto. Se a pequena te chorou alguma mágoa pelo telefone, ligou-te unicamente para isto, aos soluços, então te aconselho cuidado e perícia: há uma vida em tuas mãos.

6. Agora, se enquanto ela chorava, bêbada ou não; se enquanto ela derramava aquelas doces lágrimas, toda se querendo; se enquanto isto a mulher te revelou algum segredo... Digo-te com toda franqueza que estás enrascado, pois, ou romance ou amizade, teu destino está selado com o dela. Quero com isso dizer que tens com ela um pacto eterno. Vocês transmutaram um pouco da alma de cada um para dentro da outra. Certeza.


De modo que duas coisas são de vital importância para o homem que deseja se aventurar nas perigosas ondas do universo feminino: as lágrimas e os segredos. Saibam, companheiros, que estes dois elementos são o canto da sereia. É com eles que elas nos atraem para o meio, para o vão de suas pernas.

Após isto, quem é homem e não resiste aos encantos de uma bela donna, sabe que o céu e o inferno estarão ao mesmo tempo nas mãos daquela que os carregou para uma ilha de amor no meio do oceano atlântico...

Pois assim o desenhou o Criador. É este o nosso estranho destino sobre a terra: mulheres seduzem e homens são seduzidos. Esta é a estupidez de cada um: mulheres se desesperam para seduzir e homens, para serem seduzidos.

E se me perguntas: vale a pena ser amigo de uma mulher? Eu te direi que sim, desde que te seja dado o direito de desejá-las em silêncio, pois no dia em que a mulher perceber que abandonaste completamente a intenção de desejá-la, ela alimentará tua amizade com a mão direita, mas com a esquerda estará pronta para desferir-te um golpe mortal em sua honra.

Sim, amigos, as mulheres são pequenas criaturas que nasceram para ser amadas e desejadas. Não as desespere, não as faça sofrer. Se queres sentir a felicidade de se aprofundar na alma duma mulher, não te esquece de que teu escafandro não pode jamais privá-las de enxergar nos teus olhos a chama da lascívia. É durante a caminhada que ela te entregará a chave para abrires as portas.

Vai com paciência. Desfruta tudo. Bebe tudo. Não toca em nada, não tira nada do lugar, que elas enlouquecem. Mas cheira tudo, come tudo, bebe tudo, admira tudo e, principalmente, elogia tudo.

Assim é a vida, só assim vale a pena ser vivida uma vida.

Todo homem deve ter pelo menos uma amiga na vida, para o resto da vida.

Eu já tenho a minha, e não posso dizer que esteja pronto para divida-la com outro. Porque, esqueci de dizer, se não demonstrares ciúme por ela, ela te aniquila. Faz parte... Quem poderá culpá-las? As mulheres não pensam com o cérebro, mas com o coração. Quem irá culpá-las por isto?

Portanto, dou-te isto como tarefa, de quem humildemente conhece alguma coisa da matéria: arranja uma amiga. Um dia, quem sabe, sentamos nós dois, e conversamos um pouco sobre o assunto.