João era um cara legal, um sujeito gente fina. Fazia de tudo pelos amigos. Advogado, era incapaz de cobrar honorários dos seus amigos mais próximos. Na verdade, sentia vergonha de cobrar honorários até dos clientes desconhecidos. Dir-se-ia que nem dos inimigos João se sentia à vontade para cobrar.
A exemplo de Sócrates, João achava que o conhecimento não se vendia, nem mesmo o conhecimento técnico, e sonhava com um mundo onde as pessoas trocassem informações e conhecimentos sem cobrar nada uma das outras, convivendo em harmonia e consumindo apenas o necessário para a sua sobrevivência.
Quando se deitava na cama para dormir, todas as noites, por mais cansado que estivesse, João passava horas e horas com os olhos fechados, na escuridão, imaginando o mundo onde as pessoas se esqueceriam do dinheiro e viveriam apenas para serem felizes, felizes de verdade. Era comum que João adormecesse com um sorriso no rosto, alegre com seus pensamentos, mas também não era raro que dormisse com o travesseiro molhado de lágrimas, triste por causa do mundo em que vivia, no estado em que se encontrava.
Da hora que acordava até a hora que ia dormir, João ficava imaginando maneiras de ajudar as pessoas, de ser feliz, de fazer os outros felizes, de brincar, de pular por aí, de fazer um piquenique no parque da cidade, de se sentar no banquinho da praça pública e conversar com os mendigos, de confortar os doentes nos hospitais, de adotar as criancinhas abandonadas pelos pais, de resgatar os viciados em drogas, e todo esse tipo de coisa.
Esse era João, que se envergonhava quando recebia o pagamento das mãos dos clientes, porque achava que o conhecimento, por menor que fosse, não se vendia por dinheiro nenhum no mundo. João adorava trabalhar; se pudesse, passaria a vida inteira trabalhando, porque "o homem é o seu trabalho", dizia. O que não entrava na sua cabeça era trabalhar unicamente pelo dinheiro, o mesmo dinheiro que era rodado naquelas enormes máquinas de xérox dos bancos e, depois, distribuído pelo governo para que os homens se matassem por ele.
Por causa desse seu jeito de pensar, João não conseguia arranjar uma esposa. "Porque as mulheres precisam de muito, e eu, de muito pouco", pensava. Os amigos também começavam a achar que João era realmente doido, com suas ideias de liberdade, e as mulheres riam nas suas costas. Todos estavam sempre dispostos a se aproveitar de João, e certo dia, ele percebeu aquilo. Deste dia em diante, João foi ficando muito triste, isolado de todos, cheio de cicatrizes na alma e desanimado da vida. Parecia mais uma rosa, murchando no vaso. Seus olhos começaram a perder o brilho, aqueles olhos tão cheios de bondade. Então, ele começou a sentir necessidade de mudar. Teria que amar menos a humanidade e cuidar mais de si próprio.
João havia sido traído por um amigo de manhã, um amigo do qual ele gostava muito, e essa traição o levou à conclusão de que ele não era nenhum tipo do super-herói e que, portanto, não poderia amar a humanidade impunemente, sem suportar as duras penas que esse amor impunha. Fitando o quadro de São Francisco de Assis, João chorou.
Mais tarde naquela noite (já era de madrugada), João acordou sobressaltado. Seu quarto recendia a um perfume misterioso mas muito, muito delicado e gostoso; era um perfume para a alma e ele acreditou ter visto, naquele instante, estampado na parede, o rosto do nosso senhor Jesus Cristo.
João ficou muito impressionado com o que vira, e chorou novamente, porque sentiu que o nosso senhor Jesus Cristo havia aparecido em seu quarto para confortar sua alma, do mesmo jeito que havia feito com São Francisco, quando este recebeu as chagas do seu mestre.
Depois desse dia, João acomodou sua alma dentro de um quartinho iluminado, numa nuvem lá no céu, e nunca mais foi traído pelos amigos e muito menos zombado pelas mulheres. Aprendeu a lidar com eles. E todas as tardes, antes do por-do-sol, ele se senta na beira do mar e, contemplando o horizonte, conversa animado com os anjos e sorri bastante, comungando com Deus.
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