Caetano Veloso, jovem. Feio. Ou obtuso, como ele mesmo diria.
Caetano Veloso, velho. Menos feio, mas não menos obtuso.
Faz muito tempo desde a primeira vez em que eu pus o primeiro CD de Caetano Veloso para tocar no micro sistem Sony preto que eu tinha no meu quarto. Eu era um menino de treze anos, mas me lembro muito bem de quando fui até o armário da sala e peguei "As vinte melhores de Caetano Veloso" para ouvir.
Você é linda foi o início de uma relação artística que se prolongaria por muitos anos. Evidentemente, meus amigos me perturbavam muito porque eu ouvia Caetano Veloso. Sempre que entravam no meu quarto e eu estava ouvindo, era de tirar meu couro. Os delicados adjetivos que passaram a me dirigir, a partir de então, variavam de bicha a romântico, e passaram a tirar o meu sossego no colégio. Davam-me tapas na cabeça e cantarolavam versos que tinham memorizado de tanto me verem ouvi-lo. E, é claro, sempre buscavam me embaraçar diante das moças. Mas o que eles não sabiam é que meu sucesso (???) diante das meninas se devia, em grande parte, à sensibilidade de escutar Caetano Veloso quando quase todo o mundo só ouvia forró, rock, e aquelas músicas de axé que infestavam o país na nossa adolescência.
Caetano rapidamente se tornou um símbolo para mim e eu, um símbolo dele para a escola. "Lá vai o menino que escuta Caetano" ou "não fala mal do Caetano na frente dele" se tornou muito comum de se ouvir. Eu realmente amava o cara. Mas tive que ocultar essa quase dependência que se formou com a arte dele. Me tornei então uma espécia de beduíno clandestino, um traficante solitário da Música Popular Brasileira, um refugiado das ilhas de que fala Drummond em seu Mundo Grande.
Mas meu destino já estava selado. Tal qual o motorista que freia o carro a 100 metros do abismo e não consegue evitar a queda de ambos, estava escrito que o meu encontro com a música daquele baiano esquisito marcaria definitivamente o meu ideal artístico e nortearia a compreensão nem sempre fácil de como o mundo é e de como os sentimentos funcionam no nosso aparelho humano. Caetano passou a ser a sublimação das horas vazias da minha adolescência e abriu as portas para a música popular brasileira para mim. Depois dele, vieram Chico Buarque, Djavan, Maria Bethânia (sua irmã), Gilberto Gil, Tom Zé, Tom Jobim, Jards Macalé, Orlando Silva, Vinícius de Moraes, a velha guarda do samba, Nara Leão, Elisete Cardoso, Jorge Ben, Raul Seixas, entre outros. E, é claro, o seu mestre maior, e talvez meu também; o grande arquiteto da Bossa Nova, o obtuso-rei, o chato de galochas, o caramujo, o desafinado: João Gilberto.
Mas foi ele o astro que desencadeou em mim o processo; foi ele quem colocou as primeiras pedras e pavimentou o caminho para os meus primeiros passos na humilde caminhada pela música e pela literatura e pela arte de um modo geral.
Foi Caetano Veloso.
Foi ele também quem embalou meus romances, pelo menos os mais significativos. Alguns mais, outro menos. Vejamos se não é verdade:
Você é linda, com M. Um relacionamento tão bonito, cheio do platonismo caetânico tão particular de mim, que não se concretiza porque é tão bonito e tão perfeito que se nega à mácula inevitável dos cinco sentidos.
Leãozinho, com A. E mesmo apesar de tudo, eu nunca deixei de ouvi-la, embora já não tenha mais o leãozinho que ganhara de presente e que causou frenesi na turma inteira. E ainda existem a música, o cantor e... Isso é muito evocativo.
Queixa e O Quereres, com C. Toda a sensualidade daquele pequeno milagre em forma de mulher se condensaram nessas duas músicas eróticas de Caetano.
Rapte-me Camaleoa e Magrelinha, com A. Falávamos disso ontem mesmo. Como nos divertimos! Porque A. era minha cúmplice no amor por Caetano.
Caminhos Cruzados, de Tom Jobim, na voz de Caetano, com M. M., você não entendeu.
Eu não me arrependo de você, com C. Foi ela que cantou primeiro. E eu peguei a canção para nós.
Nosso estranho amor, com T.
E folgo em dizer que foi Nine out of ten que embalou o romance de Papito e Tuca, que se casaram recentemente e que tiraram uma foto em Portobello Road quando estavam na Europa!
E nisso se vai Língua, com a minha paixão pela Língua Portuguesa; e Almodóvar e Glauber Rocha, no cinema; e Sem Lenço, Sem Documento e London, London, contra a ditadura; e os poetas concretistas; e até mesmo Sozinho, de Peninha, quando o grande público passou a pedir para ouvi-lo nas rádios.
Pois é... Na alegria e na tristeza, lá sempre esteve Caetano Veloso. Nunca tive o prazer de encontrá-lo pessoalmente, e quando sonho em ser escritor, uma das coisas que mais desejo é na possibilidade de, reconhecido como artista, conhecer meus ídolos da arte. E um deles é Caetano.
E hoje, no dia dos pais, ao lado do meu velho pai, Ailson Antônio Santos Malheiros, que não escuta Caetano (meu pai nunca sai de Placido Domingos e Julio Iglesias), eu saúdo Caetano Veloso também como um pai. Pois eu só consigo compreender a vida através da arte. Assim, tenho alguns pais nessa jornada. E Caetano é um deles.
Talvez o maior.
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